terça-feira, 25 de março de 2014

Desovando

O sujeito estava morando em uma cidade diferente da sua por um tempo, a trabalho, com o restante da família. A mulher, que estava provisoriamente sem emprego, cuidava da casa, da roupa e cozinhava diariamente. Mas ela precisou voltar para o emprego dela, na cidade onde eles moravam antes e ele ficou sozinho para cuidar da casa.

Sem nenhuma habilidade nos trabalhos domésticos, a primeira providência foi contratar uma diarista, para cuidar da roupa e da casa. Cozinhar não era necessário, pois ele iria se virar com lanches e os restaurantes da redondeza. No máximo, fazer um arroz com ovo, um macarrão com salsicha ou fritar um bife.

Assim sendo, ele separou todas as embalagens de gêneros alimentícios que a esposa comprou mas ele já sabia que nunca seria capaz de usar e deixou em cima da mesa da cozinha, com um bilhetinho dizendo para a diarista que ela poderia levar tudo que estivesse em cima da mesa e ela quisesse.

E ela levou a toalha!

domingo, 23 de março de 2014

Colchão de Ar

Sabe aqueles colchões que ar, que a gente usa em acampamento ou quando alguém vem nos visitar por alguns dias? Pois bem, o casal de pombinhos foi passar um feriado prolongado no litoral, no apartamento do pai da moça, próximo à praia, não muito grande, mas com dois quartos e duas camas. Porém, como era um feriadão e fazia pouco tempo que ele morava no litoral, outros parentes tiveram a mesma ideia e seguiram todos para o apartamento do sogrão.
Por sorte - ou não - o casalzinho resolveu levar o colchão inflável, afinal a segunda cama certamente seria muito disputada e com o colchão eles poderiam se encaixar em qualquer lugar.
Chegando no litoral, todo mundo já estava na praia. Cervejinha daqui, caipirinha dali, um camarãozinho para salgar a boca, um mergulho para salgar o resto do corpo, protetor solar lambuzando o rosto, pé e perna cheios de areia grudada, sunga molhada colada na bunda... aquelas maravilhas que todo mundo já fez diversas vezes na vida e ainda tem a coragem de repetir sempre que pode. 
Hora de voltar para casa. Enquanto alguns vão preparar aquela refeição que não dá para saber se é almoço ou jantar, porque o horário é de jantar mas ninguém almoçou ainda, outros continuam bebendo na sacada do apartamento e começa a fila para tomar banho; no único banheiro.
Para tentar um lugar melhor na fila, cada um usa a chantagem emocional que conhece melhor. Tô apertado(a), tô cheio(a) de areia, tô coçando, tô queimado(a), preciso ajudar no "almojanta", sou mais rápido(a), vou junto com o(a) fulano(a) pra agilizar... E começam as pequenas discussões também.
No fim, todo mundo consegue tomar banho, mas as pequenas discussões vão virando discussões médias e depois grandes discussões.
Enquanto a nossa heroína começa a brigar com o pai - dono da casa - o nosso herói está lá cuidando de encher o colchão de ar, para tentar garantir um espaço onde possa deitar mais tarde. Tipo, demarcar o território.
Em toda propaganda de colchão de ar, sempre tem um compressor que enche aquele troço rapidinho. Mas quem é que anda com um compressor daqueles quando quer a praticidade de um colchão inflável? Basta uma bombinha manual, que é mais do que suficiente. Desde que a pessoa tenha paciência, tempo e braço para ficar bombeando durante meia hora até o colchão ficar com uma consistência razoável para dormir sem travar a coluna no dia seguinte.
O herói bombeando o colchão e a mocinha brigando com o pai. O herói bombeando e a mocinha brigando. Até que ele termina de encher, no mesmo instante em que ela termina de brigar. Ele anuncia: podemos deitar! Ela decreta: vamos embora!
É claro que a briga dela com o pai recomeça. Eu vou embora! Você não vai! Eu vou! Não vai!
O mocinho, conhecendo bem a jovem esposa, resolve esvaziar o colchão o mais rápido possível - o que também é uma missão difícil, porque o ar não sai de uma só vez, ele vai escapando aos poucos, a menos que você enfie a faca no meio dele. Na verdade, essa ideia passou pela cabeça dele, mas não chegou a ser posta em prática.
Colchão esvaziado, roupas enfiadas na mala, xingamentos, choros, elevador que demora para chegar... o casal conseguiu chegar no carro e partiu para subir a serra. No meio do caminho, a mocinha pergunta a opinião do príncipe sobre a briga, ao que ele responde, simples e singelo:
- Amor, da próxima vez, briga antes de eu acabar de encher o colchão




Lixeira Improvisada

O funcionário público estava sentado lá à sua mesa, atendendo ao cidadão sem muita vontade, passando e recebendo de volta formulários e mais formulários para preencher e assinar, sempre com os mesmos dados e os mesmos termos formais e incompreensíveis aos comuns dos mortais. Mal levantava o rosto para olhar para o cidadão, protegido atrás do computador e escondendo-se na pretensa superioridade do seu cargo.

Passava uma folha e pegava de volta num ato mecânico. Passava outra e pegava de volta sem prestar a atenção. Passava outra e pegava de volta para conferir a assinatura, sem se distrair mas sem observar ao redor. E assim foi indo o atendimento, como todos os outros do dia.

Até que, ao acabar com a papelada burocrática e finalizar o serviço, o cidadão perguntou se havia um cesto de lixo.

Ainda sem levantar a cabeça e sem olhar para o sujeito, o funcionário estendeu a mão espalmada, supondo que seria algum pedaço de papel ou um grampo que precisasse ser jogado fora. Para algo possivelmente tão pequeno não era necessário abaixar para pegar o cesto de lixo, ele mesmo poderia jogar.

E era realmente pequeno, mas não um pedaço de papel inocente. Era um chiclete, saído delicadamente da boca do cidadão e depositado suavemente na mão do funcionário, com toda a saliva característica. Nojento, mas ninguém pode negar que foi um belo presente pela atenção dispensada!


sexta-feira, 14 de março de 2014

Muamba Delivery

Quando uma pessoa é aprovada num concurso nacional e entra na Receita ou na Polícia Federal, é muito comum que ela tenha que passar alguns anos trabalhando em uma cidade de fronteira. As fronteiras do Brasil costumam ser cidades pequenas, afastadas dos grandes centros, com custo de vida alto por causa da distância dos centros distribuidores, com estradas precárias, estrutura de saúde deficiente e poucas opções de lazer. Por isso os servidores mais antigos querem sair desse Brasil do B assim que conseguem, abrindo vaga para os novatos, que se sujeitam a - quase - qualquer coisa para serem agentes, delegados, analistas ou auditores fiscais.

Além da distância e das privações, uma dúvida comum dos amigos e parentes é com relação ao risco de trabalhar nesses locais, por causa das notícias de tráfico de drogas, armas, cigarros, eletrônicos, falsificações, contrabandos e descaminhos diversos. Todos ficam apreensivos com o trabalho na fronteira, a triagem de veículos, a verificação em ônibus e caminhões, os sacoleiros formiguinhas, enfim... Realmente tem algum risco, mas tudo depende da forma de se fazer a abordagem, da técnica, da postura e da educação.

E da sorte.

Um colega do Paiva tem todas essas qualidades. Já fez diversas apreensões importantes, retirou muitos e muitos quilos de produtos contrafeitos das ruas e impediu que outros tantos entrassem no território nacional, usando sua técnica, sua postura e sua educação. Mas nada se compara à sua sorte.

Como trabalha em regime de plantão, fazendo horários diferenciados e folgando alguns dias contínuos, o auditor preferiu morar em um hotel, para não ter que montar casa na cidade e poder viajar com mais tranquilidade para o lar doce lar nos períodos de folga. E em um desses dias em que estava saindo do hotel para trabalhar, já na calçada, ele foi abordado por um indivíduo meio perdido, que procurava por uma pessoa qualquer, cujo nome não é importante, mas vamos chamar de "Zé". Sem saber que estava falando exatamente com um servidor público responsável pelo combate ao contrabando, eles travaram mais ou menos o seguinte diálogo:


    - Oi, você é o Zé ?
    - Não, não sou eu não. Por que?
    - Mas você mora aqui?
    - Moro sim.
    - É que o Zé me contratou pra trazer essas mercadorias pra ele. Eu preciso entregar e receber o dinheiro.
    - O que são essas mercadorias?
    - É produto aí da Bolívia, umas roupas que ele encomendou para revender. Tem Lacoste, tem Tommy, tem Hollister, tem Dudalina...

Acho que nunca na história da Receita Federal foi tão fácil fazer uma apreensão de mercadoria sem nota fiscal e falsificada. Uma verdadeira Muamba Delivery!


quarta-feira, 12 de março de 2014

O Amor da Sobrinha

O Paiva teve uma professora de inglês que era muito divertida. Um pouco doidinha, na verdade, mas bastante divertida. Ela usava algumas gírias e expressões que a gente achava engraçadas e uma ficou famosa e se tornou o lema do garotada: "Tchau, Obrigado". Essa era a forma com que ela sempre se despedia da turma e acabando virando bordão.
Mas teve uma história muito engraçada e ligeiramente constrangedora, que ela protagonizou sem saber.
Um dia um aluno - vamos chamá-lo de Latorraca - que sempre era muito expansivo, brincalhão, participativo nas aulas dela, estava meio desanimado, cabisbaixo. Coisa que acontece com qualquer um, devia ser sono, ninguém nm tinha notado. Mas a professora notou e resolveu provocá-lo:

E ai Latorraca ! Tá triste hoje, tá desanimado. O que aconteceu? Tá sofrendo de amor? Aconteceu alguma coisa com o amor? É problema de amor?

O que ela não sabia, é que o Latorraca estava namorando a sobrinha da professora, que também estudava na mesma sala. A menina ficou corada na hora, não sabia se defendia-se ou sumia. Metade da turma achou a situação meio constrangedora, a tia lá, dando um fora falando da sobrinha, sem saber. E a outra metade achou divertido, rindo da situação.
Como o menino não se defendeu, nem explicou o porquê estava emburrado, a tia professora continuou na brincadeira, concentrada naqueles que riam e sem perceber a cara da sobrinha:

É, isso tá com cara de amor. Isso é amor. Deve ser amor, não é? Será que  a.m.o.r.f.é.t.i.c.a.  engravidou?

Ainda bem que já estava no final da aula. A tia não conseguiu mais controlar a explosão de gargalhadas que provocou na turma, até entre os que estavam constrangidos. Deu o famoso "tchau, obrigado" se achando a melhor comediante de todos os tempos, sem saber o ridículo que causou à sobrinha - que não, não estava grávida.

sábado, 8 de março de 2014

A Sopa Surpresa

O Paiva tem um grupo de amigos que sempre gostou muito de se reunir para conversar, beber e comer. E as comidas são feitas pelo próprio pessoal, principalmente a mulher do Paiva e a melhor amiga dela, ambas craques em uma porção de receitas, especialmente macarrão, crepe, galinhada e feijoada. E sopa, que o Paiva não gosta muito mas os amigos adoram, principalmente nos dias frios de julho e agosto.
E foi em um desses dias frios que o pessoal se reuniu na casa do Paiva para fazer caldo verde e sopa de mandioquinha, enquanto tomava vinho e falava mal dos que não estavam presentes para se defender.
Parte da turma costumava ficar na cozinha, acompanhando os trabalhos, enquanto que a outra parte se espalhava pela sala, só esperando para degustar as delícias. O Paiva em pessoa transitava bastante entre os dois ambientes, ora ajudando na fofoca, ora pegando os utensílios que as cozinheiras iam pedindo, que é uma das duas únicas coisas que ele sabe fazer na cozinha (a outra é lavar a louça). Mas neste dia teve uma coisa que ele não conseguiu achar: a tampinha do liquidificador, aquele negocinho redondo que fica no meio da tampa maior. As chefs reclamaram, era justo, mas se viraram com a mão, panos e outros recursos para impedir que o creme de mandioquinha saísse voando pela cozinha.
O caldo verde foi o primeiro a ser servido e já deu um probleminha: a couve se enroscou na concha e foi praticamente toda para o prato do primeiro amigo que se serviu. Pelo menos foi a desculpa que ele deu para ficar com todo o verde e deixar apenas o caldo para os demais.
Mas ainda havia o creme de mandioquinha, acompanhado por muito queijo ralado, servido diretamente no prato. O primeiro a se servir reclamou que tinha algum pedacinho de plástico no meio do creme, no que foi prontamente rechaçado pelas cozinheiras, que colocaram a culpa no saquinho do queijo ralado, certamente mal cortado pelo próprio comensal.
O problema é que a segunda colherada também veio com um pedaço de plástico, maior e mais resistente do que o primeiro. Pronto, o Paiva encontrou a tampa do liquidificador !!!! Estava no fundo do copo e foi batida junto com a mandioquinha !!


quarta-feira, 5 de março de 2014

Significados

Chamar o Brasil de "país continental" é uma frase feita, mas indiscutivelmente verdadeira. São milhões de habitantes descendentes das mais variadas culturas, com comidas, costumes e gírias diferentes e algumas vezes deliciosamente estranhas.
Mas às vezes podem gerar situações constrangedoras.
Um amigo do Paiva, por exemplo, já ficou incomodado com a profusão de "paçoca" nos cardápios dos restaurantes de Fortaleza/CE - demorou para descobrir que não tinha nada a ver com o doce de amendoim, mas sim com um tipo de farofa salgada - e envergonhado com o "Pica Lo Macho" dos cardápios de Corumbá/MS.
Outro amigo, entretanto, não teve tanta sorte quando visitou as Serras Gaúchas pela primeira vez. Como era de praxe, queria levar uns presentinhos para a família, algumas lembrancinhas típicas da região, algo simbólico e barato ao mesmo tempo.
A solução parecia ter caído do céu num restaurante em que o sujeito parou para almoçar. Circulando entre panelas de ferro e outros utensílios pendurados como parte da decoração, eis que surge uma porta com uma placa reveladora: prendas.
Ora, no interior de São Paulo a palavra tem um significado:

Brinde distribuído aos vencedores de brincadeiras em festas

Ou seja, um bibelô, uma coisinha barata, exatamente o que o cara precisava.
Foi direto rumo à meta, abriu a porta da salinha e descobriu o outro significado da palavra:

Mulher ou moça natural do estado do Rio Grande do Sul

Não foi nada agradável entrar no banheiro feminino e ainda ter que explicar a ignorância do caipira paulista para as prendas presentes e para os seguranças do local.


segunda-feira, 3 de março de 2014

O Chuveiro da República

República de adolescentes é um ambiente totalmente indescritível, principalmente para quem nunca viveu em uma, e com os amigos do Paiva não podia ser diferente. Os três rapazes nunca tinham morado sozinhos, nem feito qualquer coisa que prestasse nas suas respectivas casas, a não ser estudar e usufruir do conforto do lar do papai e da mamãe. E foram tão bons nisso que passaram no vestibular e tiveram que morar fora: sucesso na faculdade e desastre na administração do apartamento.
Dormir era fácil, afinal os coxões eram novos - e as colunas cervicais também. Escolher uma roupa também não era difícil, porque ninguém se preocupava com os amassados.
Passar uma vassoura na sala era mais complicado, mas ninguém se importava com a poeira.
Cozinhar era uma missão quase impossível, tanto pela falta de conhecimento como pela falta de vontade, mas principalmente pela falta de panelas limpas.
Mas nada se comparava, em questão de horror, com a situação do banheiro da república, depois de apenas duas semanas - e nenhuma limpeza. O lixo era trocado (quase) diariamente; e só. E eis que o chuveiro parou de funcionar. Provavelmente entrou em greve por causa da sujeira, ou teve um curto em função dos gases acumulados.
Como ainda era começo de ano - verão, outono - a água quente não fazia falta e a molecada se virava com água fria mesmo, até porque quanto mais rápido fosse o banho, menos tempo eles passavam dentro do banheiro prestes a ser interditado pela vigilância sanitária. E ninguém sabia trocar chuveiro, é claro.
Eis que, depois de uns 10 dias tomando banho gelado, o pai de um dos guris resolveu salvar o filho e os amigos e levou um chuveiro novo. Parecia um presente de Papai Noel, a garotada toda ansiosa para voltar a tomar banho quente e até interessada em aprender a trocar o chuveiro, afinal podia voltar a acontecer em pleno inverno.
E a primeira coisa que o pai fez, com toda a sua experiência, foi procurar a caixa de disjuntores, para desligar o circuito do chuveiro e poder fazer a troca com segurança. Eis que os disjuntores estavam desarmados!!! Foi só armá-los e a água voltou a sair quentinha.
Difícil saber quem ficou com a cara mais esquisita: se o pai que perdeu a viagem e descobriu que seu filho e os colegas dele eram uns bobões ou os garotos que ficaram 1 mês tomando banho gelado por burrice - e continuaram sem saber trocar chuveiro!!!